Assisti ao documentário “YÃMĨYHEX: AS MULHERES-ESPÍRITO” (Brasil, 2020) dirigido pela dupla de cineastas indígenas Sueli e Isael, do povo Maxakali, que visitam regularmente a Aldeia Verde (Apne Yxux), em Minas Gerais. No fim de uma visita de meses as diretoras filmam um ritual de “despedida” e, ao mesmo tempo, de reconexão, uma meta-espiritualidade (considerando que, para nós ocidentais, toda espiritualidade é um além, embora aqui essa regra não se aplique), e que conflui uma curiosa e pulsante “teatralidade” épica.

 

 

Observem que a aldeia está bastante aculturada, digamos assim, o que podemos notar pelas roupas e vestes das índias e índios. Cabe a nós, talvez, somente imaginar um passado natural com suas características próprias e “pré-Contato” com o homem branco.

 

 

Quando comecei a ver essa obra achei bastante pobres aquelas condições e camadas de sociabilidade. Do alto de meu notebook conectado a 300Mb (sic) de velocidade na internet tive a sensação de que a vida na aldeia era tediosa e simplória. Pode ser um contraste com a festividade rave, urbana, que tomamos como paradigma e as inúmeras conexões virtuais e com máquinas que nos cercam e que aparentam serem mais coloridas, ativas e sofisticadas. O mito da pessoa urbana multitask e hiper conectada atual parece impor uma depreciação da “simplicidade!” da vida indígena.

 

 

De fato é um espaço que nos aparenta restrito, simples e pobre de opções. Eu me perguntava como podem se divertir, suportar o tédio ou mesmo passar os dias nesse árido cenário?

 

Essa impressão inclusive me fez questionar sobre a depressão entre os índios, nada que tenha me levado a exaustivas pesquisas, mas suponho que, a partir do “contato” a vida nas tribos sofre uma influência quase incontornável das tentações produzidas pela cultura branca.

 

Olhando a foto abaixo, porém, numa noite da tribo concluí, afinal que as índias bem podem estar, ao invés de angustiadas (angústia talvez seja um termo por demais ocidental, psicanalítica e existencialmente falando) mas ao contrário de estarem entediadas estejam na verdade apenas “serenas”.

 

 

O filme acompanha/imerge num ritual que tem a capacidade lúdica, o potencial das crianças de cultivar uma grandiosa percepção, quase aquela espécie de auto-lisergia, que caracteriza o talento teatral, a partir de “parcos” elementos disponíveis. A criança começa brincar com dois palitos de fósforo e em questão de pouco tempo eles se transformam na Estação Espacial Internacional. Não quero aqui, rousseauneamente, romantizar a vida infantil. Essa capacidade está presente em qualquer um, em qualquer idade. Apenas fica, eventualmente, mais ou menos reprimida.

 

E assim, o filme inicia-se com a imagem da aldeia, a ausência de muitos elementos da nossa sociabilidade (hoje em dia caseira, convenhamos, mas mesmo antes da pandemia, nossas praças públicas não são exatamente exemplo de diversidade de opções), uma narrativa básica, com os recursos da voz e da imaginação e, em pouco tempo, transforma-se num carnaval de 3 dias seguidos ininterrupto, onde tem sempre alguma fabulação acontecendo o tempo todo em algum canto da aldeia/história/lenda. O ritmo é um crescendo épico, ainda que o filme praticamente esteja apenas “mostrando” as “cenas” que se desenrolam.

 

 

Por fim, tal qual a criança que vive e encarna suas regras e universos, o filme acaba nos pegando em pleno compartilhamento de toda aquela história. Entendi que não há espaço para tédio. Mas entendi ao meu modo, com a minha cultura, que é diferente da cultura Maxakali, ainda que tenhamos pontos de “contato”.

 

Recomendo vivamente que você assista.

Está disponível no mês de março no site da Mostra Amotara – Olhares das Mulheres Indígenas!

 

YÃMĨYHEX: AS MULHERES-ESPÍRITO

 

 

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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