O filme de Affonso Uchoa e João Dumans é um singelo espetáculo narrativo sobre a vida nas comunidades interioranas do Brasil. A paisagem – interior de Minas Gerais, em cidades como Ouro Preto, entre outras – não anda tão presente no imaginário nacional o que também dá às locações do filme um certo grau de ineditismo; as condições de vida dos trabalhadores em seus locais de trabalho, a solidão das BR´s, são os espaços em que o filme realiza seu fluxo de imagens.

 

A estrutura narrativa é simples com ênfase na narração off, que já foi usada de forma nauseabunda por cineastas que retratam a violência da vida brasileira, inclusive pelo golpista Padilha na série estelionatária da Netflix. Mas aqui a narração é poética e a violência sutil, mesmo quando chega nos extremos. Repito, sutil mesmo quando chega nos extremos. Ainda assim é violência. Há uma boa dose de retrato sociológico da realidade brasileira nesse filme, notadamente nas condições dos trabalhadores. A maneira como se mostra o desenrolar da vida do protagonista é um libelo poético sobre a classe trabalhadora brasileira, marginalizada e estigmatizada.

 

A trilha abre com música estrangeira, o que para mim é um sinal de que nada é sagrado nessa cultura, isto é, nessa aculturação. Mas as músicas brasileiras do filme são mais importantes para sua beleza, mesmo as diegéticas, e buscam na memória afetiva do brasileiro – se é que ainda resta alguma – traços solidários de brasilidade do campo e da cidade, mixando Almir Sater com Mano Brown, num leve ritmo de luta de classes. Maria Bethania cantando Três Apitos de Noel Rosa é quase um momento mágico, a nostalgia de uma ternura mítica mineira.

 

Toda vez que se fala em metáforas no cinema as coisas são incertas, mas há uma “dobra narrativa” nesse filme que é novamente simples, porém genial: o protagonista tem sua história lida por um menino que encontrou seu diário, e nesse caderno há o relata de um encontro entre autor e leitor; e também nele o autor fala coisas sobre seu leitor … e de repente, na cena, os dois estão frente a frente, de forma quase espectral. É um ponto alto, mágico, para mim, na estética filmográfica mundial de 2018.

 

E agora voltemos à metáfora: esse encontro entre os dois personagens é o cruzamento de dois “Brasis”, o Brasil real, árido, sofrido e desconfiado, com o novo Brasil, estrangeirizado, que parece igualmente triste num mundo de velhos. É quase um delírio meu essa interpretação, eu sei. E o que isso propriamente significa? Não tenho certeza, mas a cena é belíssima como toda a fotografia impecável da obra. “Arábia” é um filme de alcance universal, ele fala, afinal, sobre a vida. O Brasil e o mundo precisam ver Arábia.

 

Nota 10/10

 

 

 

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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