Por Roberto Blatt

 

 

Barry (EUA, 2018) da HBO, é uma série criada por Alec Berg (roteirista e produtor de comédias como Curb Your Enthusiasm, Seinfeld Silicon Valley) e pelo comediante Bill Hader que tambem interpreta o protagonista.

 

 

As artes das imagens, dinâmicas ou não, geralmente brincam com o mix, e comediantes interpretando papéis dramáticos não são mais uma inovação desde Jim Carrey até Adam Sandler. Mas em Barry além dessa característica mistura apelativa vemos no próprio enredo um foco difuso sobre as definições clássicas de comédia e drama: parte da história acontece dentro de um grupo de teatro, tendo Shakespeare, drama e maneirismos, como “pano de fundo”. Parece pensar inclusive sobre os pressupostos clássicos de Aristóteles para o drama e de Aristófanes para a comédia. No fundo é uma reflexão sobre a medida de comicidade que se pode acrescentar ao drama, ou o inverso, a pitada de drama que se pode usar na comédia para garantir alguma verossimilhança. E tudo isso tendo como história básica um ex-fuzileiro que trabalha como assassino de aluguel e enfrenta uma crise existencial.

 

 

 

 

O seriado é tão bem produzido que desempenha um papel no universo das séries que parece reflexo do seu enredo: é nas artes que seu protagonista busca alívio para a vida; de certa forma o show faz o mesmo pelo cenário televisivo desgraçadamente ruim da atualidade. A ressaca pós Breaking Bad e mesmo após as primeiras temporadas decentes de Game of Thrones, gerou um vazio gigantesco na capacidade da TV reinventar-se. Algumas séries mostraram coisas maravilhosas tal como The Handmaid’s Tale, MindHunter entre outras, mas parecia que vivíamos um momento em que passado o auge precisaríamos comer pratos requentados, como Better Call Saul, que é excelente ainda assim. Barry é o alento do momento. 

 

 

Tudo é bem feito, dentro de modestos 30 minutos por episódio. A humildade do tempo talvez até seja uma tática inteligente para lidar com a impossibilidade de produzir episódios cativantes que superem o paradigma do youtube, aquela noção de que as pessoas não assistem atentamente um vídeo maior do que 5 minutos. A edição é maravilhosa desde a logo retrô anos 70 combinada com a música de abertura Change for the World cantada por Charles Bradley. Aliás, toda a musicalidade da série está uma delícia e vai Hamilton Leithauser, da banda The Walkmen, passando pelo hit latino Baila Conmigo até o heavy metal dos Panteras em Cowboys from hell. O elenco inteiro segura a onda do começo ao fim e alguns dos coadjuvantes desenvolvem seus personagens numa aula de dramaturgia cômica. Em resumo a série é excelente na fotografia, na edição, na música, na atuação e no enredo. Este último, por sinal, soa como um curioso paralelo entre uma selvageria da sociedade e um darwinismo hollywoodiano.

 

 

A crítica de cinema Luciana Coelho (link para o texto dela ao final do artigo), do Jornal Folha de S. Paulo usou a palavra “Despretensão” para explicar o sucesso do seriado, mas confesso que não estou muito de acordo. No fundo Barry, assim como Dexter e Breaking Bad, tem uma pretensão de questionar aquilo que o filósofo sul-coreano Byung Chul-Han chama de sociedade de performance e eu prefiro chamar de sociedade do fracasso. As semelhanças físicas com o psicopata interpretado por Michael C. Hall estão também no desajuste social e psicológico de Barry. A fotografia impecável da obra tem um quê de Breaking Bad e tão viciante quanto, embora pareça mais previsível o final infeliz a ser conferido numa confirmada segunda temporada.

 

 

Barry é parecido com Dexter, fisicamente, mas não apenas.

 

 

 

Barry, ao contrário do que diz a consagrada crítica da Folha, tem a pretensão de mostrar esse homem moderno entediado e pressionado pelas múltiplas possibilidades de uma vida curta para tanta escolha. Ao mesmo tempo é um homem condenado nas engrenagens do mecanismo social a fazer uma única coisa, ou seja, aquilo que faz bem: matar, no caso dele. As vezes esses assassinatos parecem um jogo de videogame, em outras soam como a caixa do supermercado imprimindo a nota de compras, mas tem também aquelas em que a banalidade da morte soa como trágico final de uma vida de conto de fadas. 

 

 

 

 

 

Nota: 9,0

 

 

Texto da Luciana Coelho:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/lucianacoelho/2018/08/despretensao-e-protagonista-fazem-de-barry-um-alivio-entre-series-pesadas.shtml

 

 

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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