Por Roberto Blatt

 

Fui ver o filme de Evandro Scorsin no Festival Olhar de Cinema 2023. Saí da sala em êxtase depois de ouvir conversas engraçadas e até certo ponto provocativas sobre amizade, futuro e … memória?

De um modo bastante curioso a obra é um exercício de futuro do pretérito: um grupo de amigos, jovens cineastas, lança um olhar sobre seu presente a partir das memórias e registros do passado. Onde estavam há 10 anos atrás e onde estarão daqui 10 anos?

 

 

Esses rapazes sempre me pareceram muito esquisitos, mas um pouco blasés também. Me enganei sobre serem blasés, era apenas um problema de comunicação: minha fase de signos mentais, no sentido semiótico e fenomenológico, restringia minha comunicação com eles na época. Digo a propósito do que disse um professor da UNB na CPI do Golpe de 8 de janeiro, citando Otávio Paz e a incapacidade dos povos indígenas de “verem as caravelas” na épca da invasão européia. Também não pude vê-los muito bem. E aliás, me pergunto quando a minha cognição não está restrita? Acho que sempre está.

No final da sessão conversei com um dos produtores do filme, Christopher Faust, que eu chamo carinhosamente de “Barba” por conta de um filme dele que vi há muitos anos chamado “Garoto Barba”. Pois bem, o Barba está no filme de Scorsin. São “amigos” de longa data, ao menos desde a faculdade de cinema. O Barba não apenas está no filme, ele rouba a cena, num certo sentido. Ou talvez, no fundo Evandro quisesse dar à ele esse destaque, quase numa homenagem. Disse ao Barba que às vezes eu vejo coisas de artistas locais, mas não somente locais, que acho uma merda mas que talvez não interesse dizer isso às pessoas. Barba, destemido, respondeu que eu podia falar o que quisesse.

 

Pois bem, vamos lá. Disse ao Barba – e repito aqui – que duas coisas me incomodaram no filme: primeiro o filtro, e a historinha encenada, que parece “Causas e Contos” da RPC, uma estética jeca (e pensando bem, foda-se se é jeca, afinal nada mais cosmopolita que um jeca); parece que a encenação dos “romances” em Paris serve como uma espécie de pretexto retórico, quase um enfeite para expor em camadas alguma crise amorosa que não captei muito bem, mas que não me interessa de qualquer maneira. Servem como um tipo de pista para mostrar que tudo está sendo “dirigido” embora ao final a gente se sinta no meio de um conversa espontânea.

Tudo isso me pareceu secundário diante da conversa sobre amizade que aparece “documentada” no filme entre o Barba e Scorsin. É claro que a paternidade é fascinante e pode ser um norte para a pessoa, mas justamente isso pode ser talvez um tanto conservador diante de um projeto de vida ambicioso, inclusive do ponto de vista edificante artisticamente, mas que se conforma, talvez sabiamente, com a constituição de uma família.

 

 

A segunda coisa que eu disse ao Barba que eu detestei no filme foi essa neurose acerca de Curitiba ser isso ou aquilo. Na verdade, primeiro ter uma neurose já denota um privilégio ou ao menos ter alguma vida interior possível. Mas principalmente porque é uma bobagem egocêntrica, e não tem nada de especial. O neurótico de São Paulo acha o mesmo de Sampa, o de New York idem, e assim sucessivamente. Tudo o que aqui escrevo são minhas verdades, limitadas pelo que está inscrito na limitação da minha cognição. Mas, insisto, tanto isso é verdade que as cenas dos “romances em Paris” bem poderiam se passar no Parque Barigui ou em Floripa, sei lá. Bem, aqui sou eu pensando num filósofo ideal, um Sócrates que nunca precisou sair de Atenas para conhecer o mundo.

 

 

Enfim, mesmo com essas observações ácidas que registro aqui, o filme de Evandro Scorsin é um sucesso: ele queria nos conduzir à esse contraste de linguagens artísticas, a ficção encenada e o registro do diretor “pesquisando” personagens de um lado e o registro documental de outro, como uma espécie de anteparo para mostrar uma coisa simples: uma conversa sobre amizade com seu amigo Barba. Barba aliás me disse que não estava muito acostumado a “atuar”. Não disse nada, não repliquei, mas pensei comigo: Barba, você é assim mesmo! Estou rindo disso, mas não falo como algo pejorativo, e sim como um elogio à uma personalidade bastante amável e intrigada com algumas coisas da vida. Não acho que o Barba, ou Christopher Faust, persona e personagem se confundem, esteja o tempo todo questionando pressupostos e etc, mas ele sem dúvida transmite a imagem de alguém aberto, até certo ponto, aos questionamentos. Scorsin mostra isso no filme ao interrogá-lo de forma afetuosa mas incisiva.

 

O filme de Scorsin não é uma homenagem ao cinema, é uma homenagem ao Barba e sua delicada simplicidade interrogativa, e sua amizade que deve durar 50 anos! Scorsin comunica ao Barba que será pai, Barba fica feliz. O bebê aparece lindo enchendo a tela no final. Isso basta.

 

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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