Olha que texto foda, galera. No começo ele é meio ruim, meio confuso nas oposições que propõe: ao invés de partir da distinção entre arte e não-arte, e então tentar explicar um pouco a ideia a partir das noções de mecanismo e finalidade, ou instrumento e objetivo, digamos assim, ele fala em fotógrafos e artistas que se servem da fotografia.

 

Uma música qualquer, tomemos como exemplo, é um meio de transmitir uma mensagem, mas não apenas o objetivo final e sim o próprio meio – enquanto toca a música é um aspecto da arte – diferente de uma mensagem objetiva. Enfim, ao invés de De Duve debater isso mais claramente, o que seria melhor na minha opinião, ele parte de uma distinção entre 1-fotógrafos e 2-artistas que fazem uso da fotografia.

 

No cômputo geral da estética, digamos assim, há uma discussão milenar, mostrando ao longo da história, justamente isso: podem existir discrepâncias entre a forma e o conteúdo, um debate realmente comum na filosofia da arte em geral, não superado, mas comum. O autor parece “esquecer” dessa distinção básica, o que inclusive possibilita que apreciemos arte sem perdoar o artista ou até o inverso.

 

4:33 de John Cage

 

Vejam que o pano de fundo do ensaio de De Duve, a meu ver, são as bilhões de pessoas que fazem fotos diariamente sem reivindicar o status de artistas (e foda-se, é tipo eu como músico, embora eu reivindique sim, sou um artista, o que não quer dizer reconhecido). Além disso ele é crítico do humanismo de maneira que, numa primeira leitura, me pareceu peremptória e rasa: ele alega que a justificativa humanista da arte está superada, qual seja a de que se algo foi feito humanamente (mesmo o mal absoluto) o público tem direito de ter acesso.

 

 

Não vejo porque esse ideal liberal esteja superado uma vez que o direito de ver e conhecer não é o mesmo que praticar. Evidentemente não estou de acordo em propagandear ou estimular, mas conhecer, até para superar. Enfim, dito isso, o texto de De Duve desagua numa concepção de arte simplória mas correta: a designação e a legitimação não são dadas universalmente e nem por isso uma determinada obra de arte carece dessa aprovação absoluta. E nem mesmo o fotógrafo do Khmer Vermelho é menos artista que Avedon, e isso não necessariamente implica em mistificação ou fanatismo em torno do artista ou dos artistas.

 

Enfim, sinto cheiro de um certo moralismo quando usa o termo “obsceno”, um certo puritanismo. Ferir o pudor é o menor dos problemas de se expor o “mal radical” ainda de que forma voluntária e para ganhar dinheiro. Isso chama-se capitalismo e não deixa de ter uma virtude, embora exija revisão constante para controle do acúmulo de poder despótico de certas plutocracias, inclusive na arte. Mas, historicamente, a crítica de “obscenidade” derivou para censura pura e simples. Apesar de tudo isso o texto retorna brilhantemente, talvez contra a intenção do autor, ao humanismo, justamente porque mostra como o elo de empatia é uma forma de emoção telúrica do humano, e que nutre a arte, eventualmente manipulando multidões, mas também emancipando consciências. Responsabilizar artistas não significa curvá-los à uma régua moralista ou de uma etiqueta provinciana e religiosa. Isso, no entanto, não significa dar-lhes imunidade.

 

Por fim devo dizer que sim, a intenção do autor – era arte o que eu queria fazer – é importantíssima, mas não diz respeito à qualidade da arte produzida e essa pode estar sujeita à julgamentos moralistas e provincianos. E também não significa que alguém possa se abrigar no rótulo de arte como se fosse um universo fora da vida. É possível fazer arte não-intencional e/ou ter a intenção/vontade (como eu por exemplo) e não obter um produto que uma comunidade qualquer esteja disposta a rotular de “arte”. Por sorte o humanismo moderno também nos “libertou” dos rótulos.

 

Vale muito a pena a leitura, acredite em mim.

 

Arquivo PDF – texto de Filosofia para o vestibular da UFPR 2024

“A arte diante do mal radical” de Thierry De Duve

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

Visualizar Artigos