Demorei para ver esse filme, não porque ele é de um diretor que desgosto em vários filmes (o cara fez um filme sobre a arca de Noé, porra, dai-me paciência) fez aquela punhetação mística intitulada “Mãe”, que eu detesto, mas também fez bons filmes; enfim, eu nem atentei ao nome do diretor, e sim ao enredo de A Baleia, cujo protagonista, Brendan Fraser, me parece um bom ator, mas detesto esses papéis que deviam ser “Oscar de melhor maquiagem” e são premiados como melhor interpretação. Aliás, esse prêmio, o Oscar, é babaquice pura em geral, mas isso é outro assunto.
A sinopse de A BALEIA foi muito divulgada, obviamente, dado o sucesso do filme, e ela me repelia: homem com obesidade mórbida tenta uma última chance de reconexão com sua filha. É interessante, até certo ponto, a sinopse porque ela aponta a solidão de uma pessoa por estar fora do “padrão” social. Obviamente esse padrão já está sendo contestado desde o primeiro “contrato social” de qualquer coletividade humana, mas modernamente a contestação ganhou força por, entre outras coisas, a crítica ao espírito de rebanho e o horrendo do “linchamento coletivo” explícito ou não. Em todo caso, ainda persistem esses impulsos bestiais e não se pode esperar que os seres humanos estejam sempre atentos à seus inconscientes de discriminação e violência, embora deva haver penalização para criminosos.
Esqueçamos essas questões. Quando lia a sinopse de A BALEIA eu pensava num clichê, porque sendo uma produção hollywoodiana e mesmo pelo enfoque do tema o filme teria duas soluções: uma redenção ou um final triste. A Baleia (spoiler?) se acovarda num “desfecho indefinido”. Mas esse nem é seu maior problema. O filme me fez pensar noutro que tem uma estrutura dramatúrgica similar, Fences: um cenário que parece um palco de uma peça de teatro onde vão surgindo personagens, ele emula o teatro e acho isso sacal, porque o bom do teatro é o clima de sala, de platéia. O problema é que, para mim, esses personagens são mal construídos, todos, desde a enfermeira, até o “religioso” e a filha. Há espaço até para acomodar a ex-mulher em alguns bons minutos de tela sem que isso represente de fato algo intenso. Sei que tudo o que falo é muito subjetivo e para muitos espectadores que dão corda para os personagens eles devem ter sido ótimos. Para mim são coadjuvantes encaixados e sem sal e descartáveis. Todos. Inclusive a filha, que poderia ser interessante se não fosse retratada logo como uma personalidade enviesada mas que sabemos que vai se render.
Poderia argumentar melhor sobre esses aspectos mas, sem tempo irmão. O problema principal do filme, para mim, é o suicídio. Dada a própria moralidade religiosa-mística do diretor esse assunto cai num maniqueísmo mal elaborado. Talvez eu esteja levando a sério demais esse filme e acho mesmo que ele não merece tanto. Ou bem ele é um comentário sobre o direito ao suicídio e então estaríamos diante do mais cruel e lento de todos, notadamente para quem está ao redor, o que significa um ataque aos suicidas, o que me parece covarde, visto que já se foram, ou é uma constatação de que não há como evitar a morte e então o personagem apenas acelera um processo em que ele não vê mais sentido. Nenhuma das duas hipóteses é realmente assumida com coragem por esse filme. E tudo bem, diriam os relativistas, porque o importante é colocar a questão e não querer respostas incisivas. E assim temos espaço para duas horas de um caminho que é dúbio e insuficiente para realmente nos sentirmos identificados para além da caricatura de que estamos nós na mesma situação da inevitabilidade do fim.
Estamos todos também naquela situação, mas vivemos e nos intoxicamos de forma fluida, com certo grau de consciência e de inconsciência, com querer e não querer ao mesmo tempo. Nossas obsessões não são tão assumidamente caricaturais e por mais deprimidos ou realistas que sejamos não comemos um pacote de doritos como uma “arma biológica” e sim porque é gostoso pra caralho. Cheguei a pensar que essa filme é um desserviço ao tema da impulsividade humana e da obesidade como questão médica e psicológica.
Meu amigo Victor Tartas me perguntou se eu não me emociono ao ver o filme. Respondi ironizando que sou um monstro. Gosto de me emocionar fora de caixinhas pré-formatadas e é isso que A Baleia é para mim, com tudo armado para o espectador chorar. E mesmo assim a gente se comove com os belos olhos azuis do gorducho sofrendo. Eu me comovi em vários momentos. Você se emocionará provavelmente. Mas a ascese final é notadamente apelativa: é o caminho da luz.
Foi o que pensei e, em homenagem ao próprio escritor do personagem, é isso: foda-se.