Assisti hoje ao vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro 2018, Uma Mulher Fantástica (Chile, 2017). É um filme importante, se considerarmos o nível de desinformação e o violento preconceito reinante. Confesso, porém, que achei um pouco convencional demais e ambientado inteiramente num universo classe média, o que por si só resolve certos aspectos, notadamente o da marginalização mais gritante que veríamos num extrato social de menor poder aquisitivo; é um filme que fala sobre uma mulher trans, mas eu não sei se pode dizer que é um filme de gênero, no sentido queer.

 

Na verdade fiquei satisfeito com a obra porque ela cumpre o que promete. O problema parece estar no que ela se propõe. Tem-se a impressão de que trata de conveniências: não é conveniente tratarmos as pessoas assim ou assado, uma certa etiqueta de convivência da contemporaneidade, o que torna a fala de Rubens Ewald Filho ainda mais inconveniente, diga-se de passagem (o crítico referiu-se à atriz que interpreta a protagonista como “esse rapaz”) e mostra que ele não compreendeu a camada mais básica do filme. Não condeno completamente a fala desse consagrado crítico (seria chutar cachorro morto nesse assunto) porque fontes seguras me dizem que foi um mero lapso não preconceituoso, mas estou convencido que Ewald fez de propósito e conscientemente para provocar, para jogar lenha na fogueira e nos dar assunto (no caso falar dele).

 

E obviamente essa etiqueta é uma necessidade civilizatória, se considerarmos a marginalização sofrida pelas pessoas em pleno século XXI, não se pode negar. Ao fim da exibição eu perguntei aos meus alunos se a gente podia, depois de tudo o que vimos, chamar a protagonista de “rapaz“… ? Silêncio na sala. Enquanto assistia, eu nos meus devaneios, lembrava de “Amélie Poulain” (França, 2002), um filme bobinho, e que tem seus encantos. As peripécias de Marina são muito mais drásticas que as de Amélie, mas achei ou senti alguma semelhança, principalmente nas cenas de estado subjetivo da personagem que, de certa forma, representam um ponto de fuga.

 

Recomendo, mas não posso esconder que senti falta de um certo impacto, o que normalmente se espera de um filme não hollywoodiano puro. E digo impacto não no sentido de um violento como “Irreversível” (França, 2002), porque, à sua maneira esse filme tem muita violência. Talvez tenha sido, afinal, um filme muito comportadinho para o meu gosto! Por fim, deve-se ressaltar que é um drama muito bem desenvolvido, na narrativa, e um assunto relevantíssimo para nossos tempos, principalmente se nos conduzir da etiqueta (“pequena ética”) para uma grande ética cosmopolita e amante da diversidade.

 

 

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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