Por Roberto Blatt

 

Tive o privilégio de assistir o filme vencedor do prêmio da 7ª edição do Festival Olhar de Cinema, HOMENS QUE JOGAM (Eslovenia, Croácia, 2017, 60’). O fato de ser vencedor da competição me deixou com altas expectativas e isso às vezes não ajuda, porque ao fim da sessão encontrei-me um pouco decepcionado com o filme. Mas algumas coisas podem ser ditas em favor dessa obra que tem lá seus méritos artísticos. Ressalto o qualificativo “artístico” justamente por entender que obras assim integram aquilo que compreendo como “formalismo” em cinema. E que entendimento é esse? 

 

A fim de explicar meu entendimento muito básico do assunto diria que formalismo é uma tendência cinematográfica que não se preocupa em esconder suas intervenções diretas nas obras e muitas vezes faz da explicitação dessa ação o foco mesmo da obra. O formalismo caracteriza-se por não ter medo ou vergonha de expor seus processos, suas técnicas e mesmo suas incertezas de caminhos. Ressalto que a definição é obra minha e portanto precária.

 

Talvez pudéssemos compreendê-la melhor por oposição ao naturalismo, tendência muito mais presente no cinema clássico hollywoodiano, cujas prerrogativas, ao contrário, tentam esconder do espectador qualquer indício de “artificialidade”, e fazem suas cenas de modo que pareçam “reais”. Trocando em miúdos, um filme formalista não se preocupa se o microfone aparece no alto da tela, o que para um filme naturalista seria quase um crime. Não que os filmes que chamo formalistas cometam esse tipo de “erro” com frequência, mas podem inclusive adotar a situação como parte do efeito ou da reflexão que querem produzir. 

 

 

Dito isso quero agora dizer o óbvio: “Homens que jogam” é um filme formalista, nesse sentido simples que acima pontuei. O filme inclusive dá-se a liberdade de mostrar um suposto impasse do diretor, numa cena que me pareceu lamentavelmente cômica, ou tragicômica. Por outro lado, essa cena deixa o cineasta numa situação incrivelmente confortável quanto aos (des) caminhos de sua obra. Sim, é uma “encenação” tão dúbia que poderia ser classificada como uma pseudo-quebra de quarta parede. Aliás, muitas cenas parecem adotar uma perspectiva levemente cômica. A platéia riu, informo. Mas a “graça” das cenas não está na comédia, não inteiramente. 

 

O filme transita num limbo entre a exibição de animais exóticos e a ausência de grotesco. Tá difícil de explicar isso, mas é verdade: vários “esportes” são mostrados nas suas estranhas características que mais parecem tradições rituais. Mesmo assim esse documentário não é antropológico. “Aspectos” sexuais aparecem e no entanto o filme não é uma análise sociológica da sexualidade. Aqui é preciso cuidado porque de fato o filme ironiza um pouco o estereótipo do machão, mas ao mesmo tempo não é um filme feminista ou de choque nesse sentido. 

 

 

Talvez a chave de leitura que proponho faça algum sentido afinal, porque não é um filme de choque, embora possua uma crítica muito pertinente ao modelo de desempenho competitivo que vigora em nossos dias, a histeria coletiva dessa era de disputas. Sim, mas ao mesmo tempo a sua atmosfera “quase Monty-Python” confere-lhe uma leveza que justifica o que chamo de pathos discreto

 

Se pensarmos numa roda de “bafo”, no truco, ou no jogo de bocha, eles também assemelham-se à alguns dos “esportes” mostrados no filme. Digo aproximam-se dos aspectos competitivos, lúdicos e sócio-culturais daquelas brincadeiras. O aspecto de estranhamento do filme, portanto, não é o seu forte. E de fato o filme não parece que queira ser estranho, é uma honestidade que ele não use essa arma tão saturada.

 

 

O mérito da obra é sua destacada singularidade: não se vê muita gente dando esse tipo de bronca na sociedade atual. Trata-se de um “pathos” discreto, uma bronca discreta. Pense-se, por exemplo, no excelente filme Baixo Centro (Brasil, 2018). É uma paulada direta. E também exemplifica a diferença que tentei explicar acima entre naturalismo e formalismo. No filme brasileiro (analisado em outro artigo aqui disponível https://filmecoss.com/baixo-centro/ ) que “classifico” como formalista: os diálogos são teatrais, as falas são declamadas e é uma escolha do filme. A atuação naturalista em contraste tentaria mostrar falas naturais, ou normais, por assim dizer.

 

O meu ponto aqui é que Baixo Centro bate forte, é incisivo. Homens que jogam, por seu lado subverte o discurso na denúncia do estereótipo, ou seja, bate indireta e sutilmente. Curiosamente o filme encerra-se com uma música de western – e aqui sim parece que jogou sujo, sacando as armas, apelando para uma montanha de iconicidades e de imagens não mostradas. Mesmo assim a obra salva-se dando a entender que toda aquela massa de cultura de machões, a exemplo dos filmes de pistoleiros, não passa, afinal, de jogo de bolita. 

 

Nota: 9,5/10,0

 

P.s.: A pesquisador Kênia Freitas escreveu um artigo muito melhor que o meu ao analisar o conteúdo de gênero do filme e seu olhar reflexivo sobre si mesmo na lógica da masculinidade. O texto está disponível na revista Multiplot: 

http://multiplotcinema.com.br/2018/06/homens-que-jogam-playing-men-matjaz-ivanisin-2017/

 

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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