Por Roberto Blatt
HOJE finalmente assisti ao badalado Pantera Negra (EUA, 2018) dirigido por Ryan Coogler. Tenho costume de ser honesto e rápido como crítico: não gostei desse filme, e quando digo não gostar eu quero dizer que ele tem coisas realmente detestáveis. O papel do crítico, diz o coro, é analisar e não defender seu gosto. Essa concepção de crítica não será praticada aqui.
Estabelecido esse pressuposto da minha liberdade de escrita, vamos lá. Eu já sabia que eu não iria gostar desse filme do mesmo modo que não gostei de “Mulher Maravilha” que contém objetificação até no nome. Mesmo assim tentei vê-lo sem prejuízos e na esperança de ser surpreendido positivamente. Essas esperanças estavam depositadas na expectativa de um filme de afirmação do negro, de um artefato cultural que contribua para uma nova cultura sem racismo. É possível que o filme tenha esse aspecto positivo pois, com ele, a juventude foi exposta à um herói negro com todas as virtudes e belezas padrão de um branco. Obviamente esse argumento também deve ser bem medido, visto que existem 17 filmes com heróis brancos e apenas 1 negro, ao menos no universo Marvel.
A impressão que dá, com o conjunto da obra, é que a África para ser um lugar legal teria de ser uma Tóquio ou os bastidores de um Movie Awards. Isso não me parece nada além de neocolonialismo expresso na própria origem da produção do filme, no idioma predominante e mesmo nas subtramas da obra que implicam certas visões para além do que os personagens falam. Por exemplo, o papel da CIA no mundo é “denunciado” numa ou outra fala, mas ao fim e ao cabo, o agente branco é um herói crucial da história. É o novo cowboy. Tem quase o mesmo protagonismo do piloto homem que se sacrifica em “Mulher Maravilha”.
A primeira hora do filme é realmente uma hora perdida, com exceção da bela paisagem, que não foge à um olhar mais treinado para detectar CGI puro. A introdução de uma personagem (irmã do protagonista) como alívio cômico soou muito clichê. E claro, cena de perseguição de carro, não pode faltar, ainda que seja nas ruas da high tech Coreia do Sul. Bota esses carros modernos pra correr atrás do clichê que eles alcançam.
Os personagens dos filmes de heróis são sempre muito ruins e aqui não é diferente. Tem traços simplórios, mesmos os protagonistas. Ficamos mais encantados com os sorrisos do que com qualquer traço psicológico ou atuação dos atores que são sempre mais do mesmo, desde Chadwick Boseman até Danai Gurira, a Michonne de TWD, que aqui parece … a Michonne de TWD.
A trama obedece aquilo que o estudioso David Bordwell classifica como o “desgastado e repetido” modelo de roteiros hollywoodianos clássicos: uma situação de equilíbrio, seguida de uma instabilidade para finalmente ocorrer a recuperação do equilíbrio. Boriiiiiing. E tem até beijo hétero no final, para alegria da audiência de novela das 8.
Os estereótipos de ostentação também estão lá: grandes correntões usados nas periferias aparecem no peito dos personagens! Essas correntes eu vejo como grilhões. Por fim, o rei-conservador-moderado derrota o esquerdista-terrorista que queria distribuir a riqueza e insuflar a rebelião no mundo. Vitorioso, esse “CEO” de Wakanda propõe uma ONG para dar futuro aos jovens que só vêem no basquete uma saída da pobreza. Ele é muito caridoso. Que lindo! E ainda faz um belo discurso na ONU, essa instituição onde não há poder americano envolvido, essa maravilhosa ágora idílica multicultural. <3
A única coisa interessante desse filme são as metáforas de colonialismo invertido. Wakanda é um reino hiper tecnológico mas mantem-se neutra, não invade nenhum país, como poderia fazer se quisesse, para dilapidar suas riquezas, prática de que a África foi vítima. Mesmo assim é uma metáfora nefelibata.
Não chego a falar em neo-tarzanismo, mas devo dizer que a expressão não me parece totalmente fora de foco. O filme tem suas qualidades como diversão, talvez no mesmo nível de alguns dos melhores desse gênero. Diversão no mesmo nível de um dos meus preferidos X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, mas abaixo de Logan. Muito abaixo do melhor filme de heróis que já vi, Watchmen do Zack Snyder. Aliás, Pantera Negra talvez ainda fique abaixo de até Batman vs Superman, filme super detonado pela crítica, que aposto, irá envelhecer bem. Mas as cenas de lutas de Pantera Negra são boas, e as tiradas de humor dão-lhe uma leveza que talvez nem fosse necessária.
Nota: 6,0/10
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