Por Roberto Blatt
O título desse artigo é baseado numa aproximação subjetiva e, até certo ponto arbitrária, de “A Cidade do Futuro” (Brasil, 2018) dos diretores Cláudio Marques e Marília Hughes com o consagrado “Call me by your name” (Italia, EUA, 2017). Não vou abordar essa aproximação entre os dois filmes, mas posso dizer que ela tem por base dois aspectos: primeiro a temática homoafetiva, presente nos dois filmes, e depois o ritmo poético das narrativas. Mas, ao contrário do filme ítalo-americano em “A Cidade do Futuro” o universo pequeno-burguês não aparece. Ponto para o filme brasileiro que evita esse universo saturado. É uma opção político-estética de grande valia para o cinema do século XXI.
O espaço
Trata-se de uma vivência de amor considerada “desviante” que tem lugar num pequena cidade do interior da Bahia, chamada Serra do Ramalho: o espaço é um agreste iluminado, ríspido, empoeirado, quente. A cidade parece ter parado no tempo, tem-se a impressão de que aquela paisagem ecológica permanece a mesma desde Cabral.
O tempo
Os anos 80 foram determinantes para a cidade que se constituiu de desterrados da usina de Sobradinho. O filme é didático e documental para contar essa história e o faz de forma a resgatar a memória com depoimentos de moradores antigos encaixados milimetricamente dentro do enredo. Mas o tempo é o presente, um momento de conflitos de uma cultura, da vaquejada local versus o halloween globalizado.
A história
A cidade parece ser um aglomerado de pessoas que, desalojadas de seu “habitat” natural põe-se a buscar outras formas de sobrevivência, de manutenção e de renovação cultural. As referências desse desterro são sutilmente expostas em cenas bastante singulares: um peixe aparece agonizando no meio da estrada empoeirada. Não tem rio, o São Francisco está a 20Km de distância e nos perguntamos como esse peixe foi parar lá. A mesma pergunta pode ser feita por Igor, um dos personagens do enredo: como ele foi parar nesse lugar de tanta solidão anacrônica?
O enredo, a narrativa e o conflito
A Cidade do Futuro exibe seu enredo de forma muito sutil e numa espécie de dança, tal qual os passos da personagem Mila, que, logo no início do filme, estabelecem as regras daquele universo: três passos para um lado, um passo para o outro com um cerimonial cumprimento. Esse ritmo de dança é adotado pelo fluxo de imagens que vai do 1-) namoro dos personagens Igor e Gilmar, 2-) a exibição de um documentário sobre a história da cidade, para alunos desinteressados, 3-) passando pela relação de ambos com suas famílias, e em seguida o passo para o lado 4-) na relação de Mila com sua namorada expressa num movimento de câmera que é praticamente uma saudação à paisagem da beira do rio enquadrada por uma árvore gigantesca, e belíssima. O movimento de zoom da câmera nessa paisagem aberta, idílica, é libertador e contrasta com o mesmo movimento que, dentro do casebre em que vive, vai sufocando Igor no discurso moralista da mãe acerca da homossexualidade. O resultado geral é a compreensão de “triângulo amoroso” num mundo de concepções violentas acerca de gênero. É crucial a cena em que um grupo de vaqueiros, representantes da mais importante cultura local, a cruel vaquejada, conversam sobre a possibilidade de um vaqueiro gay: “não pode, eles matariam”.
O futuro
Ao pensarmos na violência com que são tratados todos aqueles que experimentam viver suas próprias sensações temos a impressão de que o filme fala de um mundo provinciano e arcaico. Porém, essa violência acontece aqui em Curitiba, acontece em São Paulo, no Rio. Pode-se dizer que essas cidades são também, nesse sentido, “cidades do passado”
Nota: 10/10
Um filme que precisa ser visto pelo Brasil e pelo Mundo.
P.s.: encontrei uma crítica devastadora de Victor Guimarães que li hoje, em janeiro de 2019. Achei importante postá-lá aqui.