Por Roberto Blatt

 

A pergunta que orienta minha reflexão nesse texto é: por que gosto tanto da série El Chapo e detesto Narcos?

 

A primeira resposta é porque Narcos é produzida pelo Padilha, um cineasta golpista com quem divirjo categoricamente. Sua última produção na Netflix, a série “O Mecanismo” é o suprassumo da pós-verdade e da manipulação, praticamente um panfleto politico em ano eleitoral. Mas isso não poderia ser suficiente.

 

A segunda resposta é o fato de “El Chapo” ser uma série mexicana, o que deveria ser um motivo para não gostar, talvez. A fama das novelas mexicanas é uma coisa curiosa: a exemplo das brasileiras são conhecidas por lidarem com clichês e dramalhões, ao mesmo tempo que grudam como hits chicletes. Essa característica é vagamente presente na série produzida pela americana Univision em parceria com a Netflix: é um pouco telenovela. O ponto é que por ser uma situação vivida noutro país pode-se olhar para ela como estrangeiro, o que sociologicamente tem vantagens, além de ser o típico fascínio pelo fato espionar o outro.

 

A terceira resposta, em continuação a anterior, é que a produção de El Chapo me soa mais legítima, mais verossímil justamente por ser uma produção latina: a série foi criada pela peruana Silvana Aguirre e pelo mexicano Carlos Contreras e a intervenção americana na obra aparece muito menor do que na vendida “Narcos“.

 

Por fim a quarta resposta está no ator. O protagonista de Narcos é interpretado por Wagner Moura, uma unanimidade na época, mas eu não gostei. “El Chapo” está magnífico com o ator Marco de la O.

 

 

A transformação física é praticamente uma metamorfose, mas não é apenas isso. A dramaturgia ali está um passo acima daquilo que Moura consegue oferecer caricaturalmente, pois ele é um brasileiro interpretando um colombiano, ao passo que Marco de la O é um mexicano autêntico. Pode parecer pouco mas a meu ver faz uma enorme diferença.

 

 

A quinta resposta eu diria que está no plot político da série. O fato de eu não ter nada a ver com o México me faz pensar no ataque que a série faz ao governo corrupto (olha a proximidade ideológica aí de novo) daquele país com certo grau de verossimilhança, com certo distanciamento. O estereótipo de latino corrupto versus norte-americano correto é uma piada se observamos o grau de corrupção real dos Estados Unidos. Ainda assim esse aspecto do roteiro que aborda inclusive o tema cultural do machismo e da homossexualidade está bem desenvolvido e interpretado de forma igualmente magnífica pelo ator Humberto Busto.

 

 

O momento político brasileiro e global está marcado pela noção de “pós-verdade”, uma concepção coerente com a pós-modernidade e todo o seu arcabouço conceitual. Desde Nietzsche a noção de verdade clássica e objetiva está em cheque e, ainda que vários aspectos humanitários saiam perdendo, não há como voltar atrás na história. Ou melhor, há. E justamente a noção de pós-verdade produz e é alimentada por revisionismos históricos que fazem renascer fascistas aqui no Brasil (vide o candidato oficial dos militares) e mesmo o nazismo xenófobo na Alemanha, por exemplo. O maniqueísmo que separa o bem e o mal, o mocinho do bandido está de volta, junto com a pós-verdade.

 

HOJE, porém, o maniqueísmo não se ancora em nenhuma objetividade. Ele está completamente à merce do que sempre o determinou: uma subjetividade inteiramente pessoal e por vezes idiossincrática. O que isso significa?

 

Significa que a mesma pessoa pode considerar Che Guevara um facínora e o General Médici um benfeitor. Daí a resgatar Hitler, Mussolini e Franco talvez não seja um passo muito distante. Em todo caso o anti-herói é uma figura fascinante, notadamente, numa época em que satura-se de tudo rapidamente e de cuja perspectiva, seguindo mais uma vez Nietzsche, só há perspectiva.

 

Narcos foi uma série cujo protagonista era um anti-herói latino como nenhum outro: Pablo Escobar chegou a ser eleito congressista na Colômbia. Além dessa característica tão caudilhesca como Narcos retrata o personagem, a idiossincrasia pura liberada de nossos tempos me permite detestar aquela série por dois motivos básicos: seu produtor é um golpista (motivo externo) e o protagonista deveria ter sido um ator colombiano (motivo interno). Ambos os motivos são triviais, mas tomo como suficientes.

 

Se pensarmos de um ponto de vista amoral que diferença haveria entre um executivo da Samarco e um alto traficante? Nenhuma, a não ser o fato de que o primeiro conta com amparo legal e o segundo com a indústria da repressão, que por sinal é também um lucrativo negócio. Obviamente a amoralidade com que um cidadão conservador de direita encara a tortura praticada por seus pares impede-o de aplicar a mesma “isenção” no quadro dessa guerra.

 

Talvez um espectador golpista atual não assista esse tipo de série. Mas caso assistisse como reagiria? Condenaria com veemência as ações dos personagens? Estaria livre das armadilhas retóricas das obras audiovisuais?

 

Tanto em Narcos quanto em El Chapo eu me vi torcendo pelos chefões do tráfico. Ambas as histórias me fazem pensar no consagrado conto de Gabriel Garcia Marquez “Crônica de uma morte anunciada”, pois seus finais, de certa forma já estão desenhados.

 

E aqui eu poderia elencar a sexta resposta de porquê gosto mais de “El Chapo”: a história dele parece estar acontecendo ainda, é uma situação vívida. Talvez ele escape. Torço para que sim. E teríamos uma quarta temporada- sic. É interessante pensar também que El Chapo queria filmar sua vida, uma maneira de contar sua história e, segundo ele, ser lembrado para sempre. Inclusive sua prisão está ligada ao fato, pois contatou atores famosos como Sean Penn para produzir esse filme e esse contato ajudou a prendê-lo. Esses contatos foram sua ruína. Talvez não soubesse que sua vida viraria série. Ou sabia? Sabe.

 

Nota: 8,0

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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