O novo filme da cineasta argentina Lucrécia Martel, “Zama” (ARG, 2017) tem um enredo não linear em grande parte do tempo de tela. E digo não linear no sentido de que nos vemos inseridos num universo cujas regras não nos são apresentadas de imediato, aliás, nem posteriormente essas regras ficam muito claras. A lógica de desenvolvimento parece ser uma espécie de palimpsesto histórico, uma miríade de eventos não controláveis, mas também não exatamente caóticos, tal qual um dia normal com suas múltiplas exigências. Detalhe é que essas exigências são aquelas do cotidiano do século XVII.
A história gira em torno de uma espécie de gerente, um burocrata que se vê as voltas com um mundo onde a sua urbanidade não consegue se impor: uma aldeia ocupada. Toda sorte de etiquetas europeias se subvertem e o protagonista, no limite psicológico, tenta ser removido ou transferido para outro lugar. E nessa mudança que a espiral de alteridades confusas tornam-se mais intensas. “Fique quieto se quiser viver” assopra-lhe no ouvido um personagem que é quase um mistura de Macunaíma com um pirata latino. A ideia é mostrar que a passividade do colonizado não é assim tão passiva, enquanto o ativo colono também passa por ser passivo, submisso.
A fotografia do filme é excepcional. Os planos são surpreendentes, límpidos e geométricos. Assisti à essa obra recordando de clássicos do Cinema Novo brasileiro, como “Deus e o diabo na terra do sol” e o próprio “Macunaíma”. Deve ser uma baita heresia crítica dizer essas coisas, mas achei “Zama” um filme do Cinema Novo filmado com uma super câmera do século XXI.
É um filme lento, difícil, as vezes sufocante. Mas ao final é delicadamente avassalador.
Nota 9,0/10
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