Por Roberto Blatt

 

A FEITICEIRA VIÚVA (China, 2018) é o primeiro filme do diretor chinês Cai Chengjie, e nos expõe a um universo imagético onírico e à uma atmosfera supersticiosa de um rincão rural da China. A história do filme começa com a tragédia da protagonista que perde o marido num incêndio e em que ela própria parece vítima de uma espécie de pseudo-coma, condição conhecida como Locked-in syndrome, e momento no qual ela está sujeita a adversidades extremamente abusivas e impedida de comunicar-se com o mundo externo.

 

Dito desse modo temos a impressão de que mundos externo (objetivo) e interno (subjetivos) estão bem delineados no filme, mas isso realmente não é um ponto pacífico, visto que as várias ilusões oníricas da personagem não nos permitem delimitar o tempo inteiro essa diferença. 

 

A obra, inclusive, não se mostra preocupada em parecer verossímil do ponto de vista da feitiçaria, ou das superstições que apresenta. O filme toma esse universo como um fato dado e isso tem lá sua coragem. Não se trata de sugerir ou desmentir a bruxaria, em momento algum. Sequer trata-se de refletir a respeito daquela comunidade de um ponto de vista antropológico. É uma experiência transparente de misticismo, de imersão naquele universo. 

 

o se trata tampouco de focar nas metamorfoses que a protagonista vai sofrendo, desde uma moça traumatizada, afetivamente orientada para seus entes familiares até tornar-se uma feiticeira relativamente poderosa. Essas metamorfoses podem ser entendidas com dois vetores, ou dois movimentos: o primeiro é do luto ao aconchego, há um movimento de evolução afetiva da protagonista.

 

 

O segundo movimento é outro sentido da sua evolução. É o momento em que Er Hou passa a tornar-se uma figura ritualística, uma profetiza respeitada, ainda que essa ritualização aconteça justamente em ocasiões delicadas e notadamente marginalizadas, quase como uma reação aos abusos da comunidade.  

 

 

Mas nenhum desses dois movimentos representam a experiência efetiva de um filme cujo propósito não parece ser contar uma história de modo linear ou transparente. O verdadeiro propósito vemos nas armas de que a obra lança mão: a fotografia é fascinante, com belíssimos planos e “visões” cuja transcendência imagética corroboram essa experiência sensível, visível, da “magia”, os longos silêncios são interrompidos por música ritual que induz a hipnose no espectador lidando com um quase sono, e o enredo, apesar de certos alívios cõmicos, evolui em ilusões retrospectivas, espécie de experiência de “vidas passadas” da personagem.

 

Esse aspecto “material” do filme também manifesta-se feiticeiro: a maior parte do tempo em tela é preto e branco, mas algumas cenas são coloridas e isso intensifica o efeito mágico, pois produz uma curiosa percepção de cores, quase uma espécie de gestalt de coloração. Você assiste um filme preto e branco, mas tem a sensação de que era magicamente colorido. Assistir um filme assim, em pleno século XXI, com todo o duro ceticismo da nossa época, representa, num certo sentido, uma experiência mística aurática. 

 

Nota 9,0

 

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Trailer

 

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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