Por Roberto Blatt

 

Ontem assistimos à um belo documentário brasileiro, o filme FABIANA (Brasil, 2018) da jovem diretora Brunna Laboissière. É um filme muito importante para aumentar nossa percepção sobre histórias anônimas, singulares e específicas que compõem a sociedade brasileira, para ampliar nossa sociabilidade mesmo. O filme mostra uma caminhoneira transsexual contando um pouco de sua história enquanto percorre a estrada.

 

A obra tem muitos méritos filmográficos, com uma montagem interessante e bastante articulada do ponto de vista narrativo. A filmagem dedica uma boa parte do tempo focando o rosto da protagonista e inclusive em longos períodos dentro da boleia. Notadamente essa parte das imagens funcionou comigo, por razões pessoais e que de certa forma me conectaram àquela experiência, pois, quando criança minha vida era pouco viajada, digamos assim, e pouco saía da minha pequena cidade natal. Essa base fixa no solo santahelenense era intensificada pela minha dificuldade física de movimentos, o que de certa forma aumentava o fascínio pela viagem, pelo rodar, pela capacidade de percorrer muitos Km com uma dessas máquinas poderosas, os caminhões. Um belo dia consegui viajar com meus tios, percorrendo de caminhão uns 100Km de Santa Helena até Cascavel (Paraná) com a Tonha e o Nelson, e foi uma experiência marcante. 

 

Estar na boleia é como ter uma câmera na mão, a cabine é o enquadramento da paisagem, os elementos passam velozes, kinoscopicamente, se me permitem o neologismo: as árvores, as pontes, as fazendas, o desenho da estrada, tudo é fugaz, tudo é deixado para trás, tudo é nômade, por oposição ao mundo fixo das pessoas que dividem o espaço contigo, cujos rostos transformam-se no universo estático do momento. Pois bem, o filme de Fabiana também joga com essa dinâmica de forma subliminar em uns bons momentos: o foco no rosto da personagem cria uma claustrofobia da cabine, uma redução da paisagem, daquele ambiente apequenado que parece opor-se à imensidão externa cortando o país das BR´s, o BRasil. 

 

 

A diretora lida com esse claustro de forma equilibrada pois vemos outros ambientes, obviamente, mas, em determinados momentos a câmera parece transmitir essa sensação de “foco gregário”, fixo, na personagem enquanto o mundo escorre fluido pela janela. Vemos o mundo parado, nas paradas; sim, eu sei que isso parece obviedade pleonástica, mas quem já viajou de ônibus ou carro por longas distâncias compreenderá o que digo, a sensação do estático do mundo; sim, vemos encontros da personagem com outras pessoas, mas também vemos o interior da caçamba sendo descarregada, numa filmagem simétrica, centralizada, enfatizando o aspecto de um box enclausurado. É um documentário muito profissional, mas tem essas oposições binárias, talvez incontornáveis, entre o antigo e o moderno, entre o fixo e o móvel, o fechado e o aberto, inescapáveis, penso eu, e obviamente falo de uma interpretação pessoal.

 

 

Dada a própria temática do filme falo dessa interpretação a partir da sensação de liberdade que a obra me inspirou: cada ser humano é uma história digna e bela. Essa afirmação soa clichê aos meus próprios olhos, eu sei, porém, novamente sinto-me livre para ser brega, notadamente no sentido afetivo brasileiro. 

 

 

A história, repito, num certo sentido nos sufoca como uma viagem longa. A protagonista, de certa forma também, pois ela é o moderno e o antigo: uma pessoa simples, crente, mas que está na vanguarda da lida com seu ser, transmutando sua própria identidade, tecnologia aplicada ao corpo quase como esmalte sobre as unhas, com uma naturalidade impressionante. É singular como temos humanas brasileiras bonitas por aí, que soam ambíguas entre o moderno e o arcaico.

 

As oposições de ambientes, ora abertos, ora “sufocantes” tem, afinal, uma das cenas mais belamente respiráveis que vi no cinema nos últimos anos e é uma maneira de contar um final feliz por meio de percepções sensoriais: a cabine fechada, a poeira da estrada, é substituída pelo campo aberto e líquido do rio.

 

 

Nota 9,0

 

Em exibição no Festival Olhar de Cinema com reapresentação nessa segunda dia 11-06-18, as 14h15 na sala 3 do Espaço Itaú do Shopping Crystal.

 

 

Site do filme 

https://www.fabianafilme.com/br

 

Site do Festival

https://www.olhardecinema.com.br/

 

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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