Por Roberto Blatt

 

A Netflix lançou a série “Unsolved: The Murders of Tupac and the Notorious B.I.G.” (EUA, 2018) que conta as diferentes investigações criminais que as mortes dos dois rappers americanos provocou. O criador é Kyle Long, de Suits e The Good Guys, e trabalhou nessa série com o diretor Anthony Hemingway, que dirigiu a maior parte dos episódios e tem em seu currículo coisas como American Crime Story, Shameless, Community, a excelente e clássica The Wire e até, obviamente, CSI.

 

Postas na mesa essas “referências” é possível que os sériemaníacos já tenham uma ideia do que esperar de Unsolved. Uma boa parte do foco está nos malabarismos investigativos, entre idas e vindas de um trabalho que chega a confundir o espectador. Ora parece que o ponto é a obsessão do detetive Russell Poole, Brilhantemente interpretado por Jimmi Simpson, (House of Cards, Black Mirror) sim escrevi com B maiúsculo, ora quase somos envolvidos por um drama entre ex-amigos, no caso os rappers. Talvez justamente por conta da ausência de um centro fixo na série a atuação de Jimmi acabe por roubar a cena. Ressalte-se que o elenco principal também faz um trabalho excelente.

 

A produção tem uma presença massiva de atores negros, de códigos da cultura afro-pop, de perspectivas negro-americanas. Porém, não é uma série sobre hip-hop ou rap. Soa estranho dizer isso mas de fato parece que se trata mais de um acerto de contas sócio-político da vida americana, o que não deixa de ter grande importância nos dias de hoje.

 

Algumas declarações dos produtores revelam a intenção de “humanizar” esses dois “ícones” do hip-hop e da cultura pop, mas tive a impressão de que isso não ficou muito verossímil porque ambos são retratados praticamente como poetas adoráveis de uma marginalidade suburbana enriquecida. Talvez eles tenham sido realmente isso, mas a série não nos convence como retrato sociológico dessa vida. E falo da vida de um afro-americano que ergue-se nos guetos com seu grito cultural não tão suave como aparece ali. Tupac mesmo parece propalar uma visão violenta de mundo em suas músicas. Como não lembrar aqui do clipe sensação desse ano This is America, do Gambino, cuja música parece justamente revelar uma bipolaridade quase sociopata ou iconoclasta da cultura rapper, inserida no contexto: ora suave como num luau hawaiano, ora agressiva como um rap violento. Se pensarmos nos Racionais ou no Sabotage também compreendemos que pouca coisa são flores nesse grito.

 

 

Devo confessar que me desagrada a cultura de ostentação desse opulento mundo dos artistas endinheirados, com seus correntões caríssimos de gangues. Provavelmente tenham a mesma função tribal das tatuagens de caneta entre presidiários, com a diferença medida apenas em dólares. Compreendo que deve fazer parte de uma reação segundo à qual grupos marginalizados historicamente podem exibir suas riquezas, ainda assim julgo estupidamente infantil e mesquinha essa resposta ao racismo que é fundamentalmente empobrecedor dos negros. Obviamente não são apenas negros os pobres de qualquer sociedade capitalista. Aliás, a moldura de embate racial na história foi pouco abordada e de fato só aparece quando a série conta um pouco sobre Afeni Shakur, mãe de Tupac, que foi membro dos Panteras Negras.

 

 

Enfim, embora algumas transições sejam apressadas, os movimentos de câmera sejam tradicionais, o estilo seja de um seriado de investigação convencional e a humanização dos personagens fique pela metade, a série é sedutora, no bom e no mau sentido. O mau seria o fato de que, em parte, acompanhamos e nos interessamos por esse CSI em função das estrelas envolvidas. É aquela espécie de curiosidade sensacionalista da TMZ (site de “curiosidades” americano). Advém, esse aspecto de curiosidade, inclusive do caráter de reconstituição criminal que a série assume, em alguns momentos quase à maneira daquele antigo programa “Você Decide” que a TV aberta brasileira replicava nos anos 90, ou mesmo de um “Linha Direta”

 

As qualificações da série são subjetivas, para mim, como sempre: por exemplo lembrar o excelente filme Zodíaco (EUA, 2007) e mostrar imagens dos anos 90 quando parece que a câmera fica saturada e depois límpida nos anos 2000. Algumas passagens documentais são lindas e talvez pudessem ser exploradas mais vezes. Além disso há uma poderosa crítica social: os assassinatos só não foram resolvidos porque não era do interesse da polícia branca de Los Angeles. Aliás, o que essa polícia pretendia era apenas tirar o corpo fora, inclusive diante das muitas evidências de corrupção e de inércia na busca da verdade. Passaram-se mais de 20 anos e nenhuma solução foi dada ao caso.

 

Nota: 8,0

 

P.s.: achei esse vídeo no youtube onde Tupac explica a violência de suas músicas. Em 4 minutos esse vídeo faz o que o seriado não fez em 10 horas.

 

 

 

 

 

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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