Por Roberto Blatt

 

Gerald’s Game” ou Jogo Perigoso (EUA, 2017) como foi chamado pela Netflix Brasil, é uma adaptação de obra homônima de Stephen King, publicada em 1992; o filme é dirigido pelo cineasta Mike Flanagan, conhecido por explorar o gênero terror psicológico.

 

A história mostra uma mulher que fica presa na cama com algemas logo depois de seu marido sofrer um fulminante ataque cardíaco deixando-a prisioneira numa espécie de casa de campo, num fim de semana isolado. Enquanto sofre para libertar-se a protagonista delira por falta de água e pelo estresse. A porta aberta é um convite para “animais” adentrarem o recinto inclusive por conta do cadáver do marido.

 

Embora a situação seja desesperadora, e o epíteto de “água com açúcar” possa parecer um tanto pejorativo, de fato, há um aspecto do filme que parece derivar para a suavização do terror, ou pelo menos de uma parte do horror que o contexto chega a construir. Não sou especialista no gênero, mas pode-se dizer que as principais características de uma boa adaptação de Stephen King estão presentes nesse filme: alucinações, aspectos sexuais doentios, taras, sadismos, submissões, além de outras psico patologias mais graves e, principalmente, morte, fazem parte da obra. O filme bem poderia ser uma mini-serie de três capítulos, mas não deixem a Netflix ouvir essa ideia, porque a empresa já exagera na prolixidade de certas séries que não deveriam passar de um piloto.

 

Em todo caso o filme tem um clássico equilíbrio de tempo (três atos) de exploração da tensão e mesmo de uma sublimação catártica de todo o trauma que a história envolve, e de uma solução razoavelmente surpreendente do enredo. Confesso que me contentaria com uma resolução feminista mais sutil, mas o filme parece fazer questão de filmar um “chute no saco” simbólico. Se pensarmos no machismo esse “chute” é necessário, mas considerando o personagem que o recebe, a cena final soa um tanto apressada e caricatural. Algo como chutar um sintoma de uma doença.

 

 

Talvez a grande questão do filme seja justamente essa passagem da morte para os problemas de “gênero” que ele aponta. A morte é o tema de toda uma parte intensa do filme, mas, posteriormente somos levados a associar a salvação da personagem com a solução de seus demônios patriarcais. Mensagem sublimar importante, sociologicamente, mas ao mesmo tempo corresponde a um momento de suavização da trama. Talvez eu estivesse querendo ver mais sofrimento do que realmente se pode ver estando vivo, porque era justamente isso que me impressionava e me interessava no filme: os últimos momentos de vida de um ser humano. Momento universal, diga-se, visto que virá para todos nós.

 

Recomendo para fãs de Stephen King e para quem quiser ver um filme de horror razoável, parente não tão distante da antiga série “Além da Imaginação”. Esse filme tem lá suas qualidades: fotografia boa (as cores são destaque em algumas cenas) enredo interessante, reflexões existenciais e sociológicas. Salvou-se.

 

Nota: 7,5

 

Post Scriptum

Influenciado por uma percepção negativa e por comentários críticos eu baixei minha nota para esse filme. Claro que um número é uma bobagem, uma nota é uma forma por vezes tacanha para classificar um filme. Ainda assim fiquei curioso de saber os motivos pelos quais as pessoas não gostaram. Obviamente é um filme perfeito na trilha de adaptações de Stephen King, o que não significa muito se considerarmos o aspecto enlatado do formato, embora ele transcenda um pouco o nicho de fãs. Além disso tem umas cenas maravilhosamente terríveis como a do eclipse e outras onde o jogo de luzes, cores, sombras e alucinações funciona bonito. Confesso que eu tambem senti uma grande impaciência nos começos desse filme, mas fica a dúvida se essa impaciência é por conta de um eventual clichê ou se é o problema crônico da geração devoradora de imagens atual, incapaz de contemplação ou de tolerar o desconforto nas telas, ou ao menos o desconforto não domesticado. Há ainda uma terceira hipótese, a de que a própria agonia da situação nos faz querer rodar o forward do vídeo, e nesse caso ficaríamos também tentados a admitir que o filme alcança seu objetivo, justamente usar essa angústia que o espectador comprometido com a obra sentirá, essa sensação de tempo que não passa para desenvolver sua premissa. É, talvez, um pequeno sucesso do filme.

 

 

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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