Por Roberto Blatt

 

Essas são brevíssimas impressões que registro sobre o filme “Intriga Internacional” (EUA, 1959), clássico de Alfred Hitchcock. Meu objetivo aqui é apenas apontar algumas proximidades entre produtos culturais de épocas completamente distintas e insinuar uma imagem masculina, um determinado modelo. Insinuar. Não prometo nada além disso, uma saladinha light, e uma resposta provisória à questão do título.

 

A sinopse do filme é de domínio público: um rico publicitário de Manhathan é confundido com um agente, possivelmente do governo americano; Mr Kaplan na verdade é um agente fictício, criado pela CIA, para servir de isca à um grupo de espiões estrangeiros. É curioso pensar nesse detalhe que o filme apresenta: um ser criado de forma completamente artificial para servir de isca, mas que possui todos os detalhes de um humano normal, ou seja real, com uma história, rotina, gostos, e etc. Esse argumento é praticamente uma metáfora do cinema: um personagem inventado cujo objetivo é cativar a atenção do público. Roger Thornhill, interpretado por Carry Grant, é confundido com Kaplan numa cena que quase nos faz suspeitar que o filme será uma comédia.

 

E aqui entra o “ingrediente” Charlie Harper. As semelhanças com o protagonista de Two and a Half Men (EUA, 2003) são obviamente superficiais, mas para mim suficientes. Ambos tem relações engraçadas com suas mães, inclusive o protagonista de Intriga Internacional também é levemente censurado por sua relação com a bebida, por exemplo; ambos também expressam uma atitude sedutora, e parecem carregar uma espécie de bagagem amorosa (divórcios e etc).

 

Deixo claro que esse paralelo é completamente arbitrário e inclusive admito que são personagens com caminhos diferentes o que não teria como ser de outra forma visto que pertencem a universos de enredos quase incomunicáveis. Ainda assim, considero-os no mínimo parecidos, inclusive na atitude com as mulheres. Tornhill tem um diálogo revelador sobre isso ao conhecer a personagem Eve, momento em que ele revela que mulheres honestas o assustam, e o colocam em desvantagem. Porque não é honesto com elas? Pergunta Eve… Tornhill retruca: – Ao conhecer uma mulher atraente tenho que começar a fingir que não quero fazer amor com ela (47′). Imagine Charlie Harper nesse diálogo e meu ponto está contemplado, inclusive com o favorável adendo da sinceridade.

 

 

O clima urbano árido da abertura, com seu olhar espelhado de arranhas-céu e automóveis, é rapidamente substituído por uma atmosfera leve e, inclusive pode-se jogar uma pitada de Don Draper, nesse prato executivo: personagem da série Mad Men (EUA, 2007) cuja aproximação é igualmente superficial mas atende as finalidades desse texto, também reside nessa mise en scene da Madison Square Avenue e seu mundo publicitário. Observe a frase abaixo, é praticamente o slogan da série de Matthew Weiner.

 

 

 

Jason Bourne (Identidade Bourne, EUA, 2002) por outro lado, e forçando bastante as imagens, é um personagem que está aí pela situação quase kafkaniana desse labirinto de intrigas que a trama tenta propor. Assim como o personagem vivido por Matt Damon, Roger Thornhill tambem parece perdido nas mentiras que o enredam. Embora não esteja nem perto da amnésia de Bourne, Thornhill tambem aparenta não ter passado. O espectador vê suas peripécias e quase é levado a crer que ele bem poderia estar interpretando ou seja mentindo, inclusive “para a tela” ou seja para nós. Ao menos temos que admitir que ele comporta-se como um agente no desenrolar da trama. Além disso ele também parece ter aspectos sem história na sua vida, como o próprio nome Roger O. Torhnhill. – O que significa esse O, Roger? – Nada, responde ele.

 

A ideia de uma rede de mentiras é insinuada logo no início do filme: após ser sequestrado, Thornhill está nas mãos de uma quadrilha. Ele nega que seja Mr. Kaplan, e isso cria um novo jogo de espelhos: o espectador sabe que ele não é, ou ao menos até esse momento assiste com essa certeza, mas se pensar com a perspectiva dos sequestradores ele teria outro olhar: para eles Kaplan está justamente demonstrando seu excelente treinamento como agente secreto, que no fundo é o trabalho de ator, a capacidade de enganar mesmo os seus torturadores. – Você faz dessa sala um teatro, diz o personagem que o sequestrou. Pensei no filme Argo (EUA, 2012) cuja brincadeira também envolve uma teatralização, mas essa é outra história. Em determinado momento Tornhill é reduzido a joguete de um mecanismo muito maior que ele e, à exemplo de Bourne, ambos agredidos por forças maiores sem compreender muito bem porquê.

 

Tornhill aparece minúsculo nesse plano tentando fugir

 

 

HITCHCOCK é o mestre do suspense, dizer isso é praticamente um clichê, mas o próprio diretor insistiu em ressaltar que seu filão era o suspense e não mistério. Intriga Internacional curiosamente implica ambos: mistério e suspense. O filme é praticamente a matriz hollywoodiana do gênero. Talvez a existência de franquias bem sucedidas como as da Trilogia Bourne, Missão Impossível e até a série 24Horas tenham na obra um paradigma inicial. Todas essas séries são marcadas pela imagem de protagonistas homens fortes.

 

A estrutura narrativa é igualmente clássica: uma superposição de informações que gradativamente esclarecem a trama central, que, por sua vez, coloca em paralelo uma ação dramática passional e um mistério policial. De várias maneira ambas as ações, a aventura e o amor, irão influenciar-se na resolução do enredo. Vale ressaltar um outro comentário sobre estrutura fílmica e que é um aspecto imprescindível: o som e a musicalidade. A dimensão sonora é essencial para todo o clima que Intriga Internacional pretende produzir. E suas variações vão de peças românticas nas cenas do casal, passando pelo diegético exclusivo do motor na fantástica cena do avião, até subir o tom dos momentos tensos. Achei lindo o personagem assobiar a melodia de “Cantando na chuva” em um cena deliberadamente enganadora. A música é um elemento ativo do filme, full time.

 

A relação afetiva do enredo não parece preocupada em esconder um estereótipo da mulher sedutora, mesmo assim, a realização amorosa, o happy end da obra, tem uma aspecto de parceria, o que soa positivo para além do clichê do herói salvando a mocinha. Todo o caráter de gênero do filme talvez pudesse ser compreendido se, num exercício hipotético, a personagem Eve Kendall fosse a protagonista. Paro por aqui, pois minha meta era apenas registrar breves impressões. Deixo ao leitor a tarefa de filmar mentalmente uma obra em que Eve fosse a publicitária bon vivant sequestrada e Roger o seu par romântico “acessório”. Novamente ressalto as aspas porque Eve é uma personagem extremamente interessante e moderna, no seu gesto ativo de sedução. De certa forma sua objetificação passiva é denunciada. 

 

 

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Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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