O subtítulo desse texto deveria ser “A arte de estragar, afundar, uma série“. Sabem vocês que escrevo aqui um blog impressionista e na medida do possível argumentado, visto que essas coisas não se excluem, e também sem pretensões de decretar perspectivas definitivas para a crítica especializada, que muitas vezes também fala enormes bobagens, mas enormes mesmo.
Pois bem, os trailers dessa temporada já me alertavam para o que vinha pela frente: depois da genial brincadeira com o maniqueísmo dos personagens iniciais de Karatê Kid na primeira temporada, inclusive com o belíssimo capítulo 5 (tem texto aqui no blog) previ um esgotamento da temática. Ontem assisti e confirmei essa expectativa negativa.
Cobra Kai 2 é um arremedo de roteiro com personagens que tapam buracos quase full time. O centro gravitacional ainda é a rivalidade Larusso vs Lawrence, mas serve apenas como pretexto para essa espécie de O.C. de caratecas da web-puberdade. Os produtores da série abusaram desse amor de décadas que o espectador nutriu pelos personagens originais, mas já não conseguem dar-lhes muita consistência. Alguém acredita que um homem dos anos 80 tenha chegado até aqui sem lidar com a internet? É uma tolice descartável.
O núcleo mirim da série é igualmente chato e pedante. Nada faz lembrar o personagem franzino de Daniel ou o vigor estúpido de Johnny. Adolescentes atléticos, até mesmo musculosos , que sequer passam por adolescentes reais ou que emulam estereótipos toscos de nerds. Nem as garotas passam perto da realidade, e ficam numa mistura de Barrados no Baile e American Pie.
Assisti a série toda o que me faz passar por hipócrita, penso eu. E realmente eu me questiono sobre isso porque, se assisti tudo, talvez tenha algo bom ou pelo menos eficaz. Confesso, porém, que vários episódios eu passei batido, não exigem atenção e são descartáveis. Aqueles que gostam da história original ficam esperando coisas dos personagens, é uma isca que Cobra Kai 2 utiliza o tempo todo e que frustra o tempo todo.
As cenas de lutas, os clichês dos personagens, notadamente Larusso que explora demais sua emulação do Sr. Myagi, e mesmo um Johnny que parece não ter coragem de ser anacrônico, tornam-se enfadonhas. Fico na dúvida se há um fundo de verdade, um contexto de interesse para essa série: ela diz algo sobre o mundo atual que só perceberemos no futuro? Um vendedor de carros, ou seja, alguém que não produz, mas revende, de um lado, é símbolo de algo atual? Um homem branco semi-trump-bolsonariano que está confuso com o mundo atual, é outro? Um casal yuppie imune à crise econômica – quase um conto de fadas – ainda persiste como símbolo de felicidade?
São apenas dúvidas que tenho porque talvez essa obra fale do seu tempo e eu que não estou percebendo. Mas em 84 percebi, e na época eu era criança. Karatê Kid falava do seu tempo de forma simples e clara. Mas hoje, no geral os personagens evoluem de maneira bizarra ou são descartados para em seguida serem reincorporados em arcos dramáticos imaturos, os relacionamentos se resolvem num piscar de olhos, as coreografias de lutas estilo Jackie Chan pipocam como se fossem elixir de entretenimento, entre outras besteiras, transformando a temporada 2 num vazio de pura imagem de passatempo – fotografia bonita, admito, filtro moderno – enquanto o ponto central – ou seja, a evolução desses caras dos anos 80 – torna-se marginal.
O discurso sobre bullying é fraco, substituído por uma pancadaria instagramiada e sem graça. Talvez aqui o único ponto mínimo de interesse: a web-sociedade do espetáculo é a moda juvenil do momento. Uma ou outra inserção de diversidades acaba sendo quase acessório para uma temporada que é tosca e praticamente descartável. Parece-me inclusive que há uma crítica covarde ao discurso de respeito de gênero e racial em alguns momentos. Tudo o que essa temporada ofereceu foi o Sr Myagi e suas iscas. Mas algum peixe consegue salvar essa bagaça?