Assisti BOTÕES DOURADOS (Rússia, 2019) no Olhar de Cinema, que tem exibições durante todo o dia de hoje, 15/10/20, quando termina o festival. Dirigido pelo cineasta russo Alex Evstigneev (através do link você pode ver filmes dele disponíveis no vimeo) é um belo filme, e enquanto escrevo esse texto dá tempo de você assistir. 


Um filme contundente, emotivo e direto. Evstigneev filma meninos de uma escola militar na Rússia. Faz a denúncia do projeto ditatorial de Putin (algo a se pensar em comparação com Brasil, pois as semelhanças entre Bolsonaro e o líder russo, ex-KGB, são gritantes) cujo objetivo seria criar uma guarda nacional que elimine os opositores do regime. A atmosfera de Guerra Fria parece pairar por toda a sequência de 20 minutos que dura a obra.

 



E de fato é curioso pensarmos nisso. Sempre sou tentado a imaginar histórias alternativas, e aqui tomo como pressuposto o princípio marxista segundo o qual a história é contada pelos vencedores. Fosse o leão o vencedor, e pudesse então escrever a história, talvez o caçador passasse por mais covarde do que herói.


A Rússia “perdeu” a guerra de projetos globais para os EUA, perdeu uma guerra midiática onde Stálin é sinônimo de demônio enquanto os Macartistas, KKK e outros sociopatas estadunidenses (vide Hiroshima que vai além da sociopatia) praticamente não existiram. Essa é a narrativa vencedora, e eu sempre que vejo os russos me pergunto como seria um mundo onde a língua russa fosse o novo latim, e não o inglês.

 



Quase que não consigo imaginar o russo como padrão. Substituir a coca-cola por vodka? Parece amargo, embora não seja tão simples. Mas enfim, o eixo gravitacional de Botões Dourados desloca-se através de um sutil “efeito Kuleshov” e mesmo de um contraste figura-fundo, onde as faces dos meninos são apresentadas com uma significação afetiva embutida na sequência de imagens.


Esse deslocamento sai da mera denúncia abstrata de uma máquina político-militar para a vida concreta de crianças em treinamento bélico. Nos perguntamos sobre o sofrimento daquelas crianças: onde isso os levará? A escola militar é como uma máquina de moer traumas. Mas esses meninos irão “superar” a perda da infância? Isso realmente é pedagógico?

 



A dor pode educar, mas também pode liquidar com o humano, e assim voltamos ao estereótipo do russo retratado em James Bond: máquinas sanguinárias, quase robôs, como retratado, também por exemplo, no ridículo Rocky IV (EUA, 1985) entre outros até nossos dias, como Operação Red Sparrow (EUA, 2018). Podemos deixar para trás essas simplificações e pensar no futuro da educação e de um mundo menos apocalíptico e mais livre, inclusive no comportamento de gênero.


O filme parece abordar esse tema (masculinidade) ao mostrar os alunos em aula de ballet, um contraponto tão artístico ao gesto bélico. Mas mesmo nesse momento nos faz pensar se aquilo não é algum tipo de estratagema psicológico com a finalidade de completar o arsenal de guerra.


Lembrei-me de outros dois momentos que amo muito na história do cinema, deixo aqui as imagens para pensarmos nesse retrato da infância: A Infância de Ivan (Rússia, 1962), Império do Sol (EUA, 1987) e o atual Botões Dourados (Rússia, 2019)

 

 

 

 

Sobre o Autor

Não sou cineasta, mas gosto de criticar o trabalho dos outros rsrsrs

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