Ao definir um pequeno léxico do cinema clássico hollywoodiano o pesquisador David Bordwell elenca, por exemplo, “fábula“, “narração“, “cognoscibilidade“, “autoconsciência“, “motivação“. Eu diria que todos esses termos se encaixam na filmografia de If Street Beale Could Talk (EUA, 2018).
Cada um desses termos aparece nessa última obra de Barry Jenkins (diretor do maravilhoso Moonlight, EUA, 2016) cuja abertura tem um tom fabular e fantástico quando mostra os protagonistas “flutuando” pela rua com uma postura muito afirmativa e até mesmo quase indiscreta ao encarar a câmera, esse olho transparente. O aspecto fabular perde um pouquinho da verossimilhança quando suspeitamos que o ator olha para o mecanismo filmador, mas essa é a minha percepção da cena.
A beleza dessa sequência está, além da fotografia, numa característica sociológica: um casal negro e seu encantado amor, afirmado nessa abertura e repetido ao longo da obra. O romantiquês, aliás, devo dizer que é um aspecto um pouco enfadonho, mas funciona como uma motivação composicional (outro termo de Bordwell).
A primeira referência que me surgiu durante a exibição foi LA LA LAND (EUA, 2016). Sim, o ritmo por vezes quase musical do filme me lembrou o longa de Damien Chazelle, notadamente nas cenas que exploram a música diegética.
Em seguida penso no aspecto dramatúrgico muito bem executado em UM LIMITE ENTRE NÓS (Fences, EUA, 2016) … um filme, aliás, que suscitou discussões sobre as diferenças entre linguagem teatral e cinematográfica.
De minha parte acho esse debate inútil, porque cinema, teatro, literatura, poesia usam imagens sempre, ainda que variem os suportes para a exibição da imagem ou imaginação. Mas essa variedade não produz artes exclusivas nunca.
Pois bem Se a Rua Beale Falasse ancora-se fortemente nas magistrais interpretações de seus atores e em muitos momentos lembra uma peça de teatro filmada. Essa afirmação está longe de ser unanimidade, penso eu, mas quero ressaltar que não considero que alguém possua um termômetro artístico definitivo para dizer que assim ou assado uma obra possua mais ou menos arte conforme padrões predeterminados. Filmar uma peça é fazer um filme e o resultado pode ser maravilhoso ou mediano como em alguns momentos desse filme.
Mas isso não resume o filme todo, obviamente, embora seja um aspecto crítico e em alguns aspectos negativos. Outro filme que incluo nas listas de referências é o magistral documentário EU NÃO SOU SEU NEGRO (EUA, 2016) onde o escritor James Baldwin expõe as agruras da questão negra nos Estados Unidos. Nesse doc vemos a origem da criminalização da população negra no famigerado O Nascimento de Uma Nação (EUA, 1915) inclusive no mito do negro estuprador.
Por fim gostaria de citar um quarto filme que compõe um contexto de diálogo interessante para aprofundar as reflexões que o filme propõe: o documentário A 13ª EMENDA (EUA, 2016), nele um espectador interessado encontrará informações acerca dessa dura realidade de um judiciário encarcerador, racista e escravagista. Nesse sentido Se a Rua Beale Falasse não é nada fantasioso. É a fabulação de uma dura realidade.